sábado, 14 de novembro de 2009

[PB39] Quantit(ativistas) no interior paulista - narrativa metodológica

II Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico
[09-12 Nov. 2009, USP, Anais, 18f.]
APRESENTAÇÃO DE NOSSO PROJETO DE PESQUISA DE PÓS-DOUTORAMENTO (EXECUTADO ENTRE OS MESES DE FEVEREIRO DE 2008 E JANEIRO DE 2009, JUNTO AO PPGGEO/UNESP-RC) - ISTO É, SUAS MOTIVAÇÕES, EXPECTATIVAS E EXPEDIENTES METODOLÓGICOS -, BEM COMO DIVULGAÇÃO DE RESULTADOS E CONCLUSÕES CONCERNENTES. [A PESQUISA CONSISTIU NO EXAME DE DOCUMENTOS TEXTUAIS DE AUTORIA DOS PROFESSORES DO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DA ENTÃO "FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIO CLARO" E DIAGNÓSTICO DO PAPEL QUE A AGREMIAÇÃO LOCAL TERIA DESEMPENHADO NA DIFUSÃO DO IDEÁRIO RESPECTIVO À CHAMADA GEOGRAFIA TEORÉTICA E QUANTITATIVA].
["O plano previu a sondagem do epicentro principalmente pelo que nos informassem as textualizações autorais locais. Porque, imersas nas suas entrelinhas, ali se localizariam as pistas que poderiam explicar a absorção e, em seguida, a publicidade do revigoramento teórico. Ou seja, enquanto que no texto de nomes, tais como Diniz, Ceron e Christofoletti devêssemos encontrar um discurso algo eufórico, bastante animado pela confiança na proficiência do instrumental que o autor a recém descobrira existir, nas publicações de outros agentes, como Gerardi, Sanchez e Poltroniéri possivelmente identificássemos um diferente, já revelador de maturidade epistemológica e do empenho local em tratar, num tom preferencialmente prático, temas como o uso do solo (agrícola, em muitos dos estudos)."]
LINK#1: http://enhpgii.files.wordpress.com/2009/10/dante-flavio-da-costa-reis-junior.pdf
LINK#2: http://repositorio.unb.br/handle/10482/6705

O que não nos faz positivistas hoje?

IX Seminário de Pós-Graduação em Geografia da UNESP Rio Claro (IGCE/UNESP-RC) - 03 a 05 Nov. 2009
"Teorias e Metodologias da Geografia: tendências e perspectivas"
Mesa3: Perspectivas teórico-metodológicas da Geografia Humana (dia 05, 19:30)
"Essa fala será, na verdade, um depoimento pessoal sobre minha experiência com pesquisas no que chamo de 'HTG', 'História e Teoria da Geografia'. HTG é como se chamava, lá no meu curso de graduação, no Rio Grande do Sul, a disciplina que lidava com esses temas todos, ligados ao pensamento geográfico. Eu acho, aliás, bem apropriada a sigla, porque ela faz ver o quanto é (ou deve ser) possível trabalhar, conjuntamente, as duas grandes tradições em Filosofia da Ciência. Não sei se todos aqui sabem, mas podemos encontrar na literatura (simplificando a análise, lógico) duas principais leituras de ciência: uma, anglo-saxônica, que tem muito a ver com a tradição lógica atribuída aos filósofos do Círculo de Viena, define ciência como algo que se mantém imune às contingências e coações societárias (ela seria, então, 'blindada' - porque funcionando à base de linguagem e dinâmica próprias); a outra, francesa, ilustrada por nomes como Poincaré e Bachelard, pressuporia justo o contrário (a prática científica, por estar ancorada em contextos, não poderia escapar a demandas e constrições). Bem, falo isso porque cada uma das propostas se encontraria naquela sigla; quero dizer, o pesquisador em HPG (em tese, pelo menos) poderá eleger uma abordagem relativista: priorizar o 'H' - avaliando as circunstâncias e as épocas favoráveis ao advento de matrizes de pensamento (estou só ilustrando) - ou o 'T' - debruçando-se especialmente sobre a estrutura conceitual dessas mesmas matrizes. Entendem? Dito isso confesso que, desde meu Mestrado e até o ano passado (quando executei meu projeto de pós-doutoramento, aqui mesmo em Rio Claro), jamais consegui mesclar as tradições [risos] Eu praticava uma ou outra. Embora, claro, o ideal seria - mais do que simplesmente praticar as duas (seqüencialmente, quem sabe) no mesmo trabalho - articulá-las quando das interpretações. Mas me falta essa habilidade intelectual, simplesmente. Bom, antes de falar sobre positivismos, acho que preciso explicar o que andei investigando desde o Mestrado ... na verdade, o interesse (por essas questões da modelagem e do uso de teorias naturalista em Geografia) me veio ao final da graduação. Minha Dissertação foi um exame da obra de Speridião Faissol, geógrafo humano que jogou papel muito relevante na difusão do ideário neopositivista no país. E como eu havia já examinado o ocorrido na Geografia Humana brasileira, decidi, enquanto constituição de Tese, optar por um geógrafo físico, quando do doutoramento. Antonio Christofoletti me ocorreu espontâneo. Assim, tanto no Mestrado quanto no Doutorado trabalhei com nomes cardeais na propagação da 'GTQ' no Brasil; ou seja, da Geografia Teorética e Quantitativa - um caso desde sítio fluminense (IBGE); outro, desde instituição paulista (a então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro). E eu posso dizer - já me encaminhando para o cerne desta fala - que o estudo da herança positivista contida na obra desses geógrafos (porque vejam, eu estava obrigado a desenvolver um estudo paralelo sobre o que teria significado este sistema de pensamento e sua possível 'inoculação' no discurso científico) ... posso dizer, o estudo dessa herança teve em mim três efeitos sucessivos curiosos. A bem dizer, três 'fases'. Porque, primeiramente (lá no iniciozinho do Mestrado, em 2001) eu o que fiz foi acatar sem questionamento o postulado - corrente em muitas historiografias - de que haveria sim inoculações dos sistemas filosóficos, na forma de preceitos, no argumento das escolas de pensamento científico. No caso, inoculação do positivismo lógico na New Geography (sendo que tratei, especialmente, de suas manifestações 'domésticas', digamos assim). Foi isso; simplesmente acatei a máxima. Mas não só isso! Eu entendia, sem verbalizar ou escrever, que essa inoculação seria algo de essencialmente ruim. Portanto, ter inspecionado os textos de um Faissol 'positivista' significava em mim diagnosticar uma produção intelectual de menor relevo. Vejam que idiotice [risos] Bom ... essa a primeira fase. Mas numa segunda, quando eu me encontrava já na etapa de redações finais da Dissertação, embora eu ainda mantivesse o cego convencimento de que a inoculação se daria natural, o fato em si não significava, necessariamente, algo de ruim; uma mácula no legado do cientista. E me entendam a razão: sabidamente, um expediente teórico muito recorrido pelo geógrafo teorético foi o 'sistemismo' inerente aos modelos termodinâmicos. Modelos que falam sobre as entradas/saídas energéticas e os efeitos (instáveis) destes fluxos nos 'designs' ou formas do sistema em questão. Tratava-se de um protótipo teórico muito útil, posto que o objeto de estudo da Geografia - as organizações espaciais - não podiam mesmo ser tomadas pelo que dissessem apenas poucos de seus muitos aspectos. Bem, mas vejam ... a teoria dos sistemas gerais, que possui de fato uma engenharia consubstanciada graças à mecânica estatística, foi aprimorada junto às ciências da vida; logo, o emprego dos modelos derivados (derivados, pois, das ciências naturais) atendia a um clássico preceito positivista - qual seja, o de mirar, no plano do método, o "bom exemplo" dessas mesmas ciências. E a meu juízo aqui teríamos já um exemplo de que nem toda inoculação teria sido ruim. Ok, então essa foi a segunda fase. E a terceira é bem mais recente. (Posso afirmar que as duas primeiras foram mais longas.). É que eu hoje estou plenamente convicto de que - não mais interessando tanto se a inoculação é boa ou ruim (no fim, uma análise empobrecedora) só com muita 'forçação de barra' a gente enxerga de fato a presumida filiação das escolas científicas aos sistemas filosóficos. Vou tentar falar sobre isso agora.
Eu acho que até seria possível fatiar o problema em três tomos: a questão dos preceitos, dos dois positivismos e da representatividade. Bem, vamos lá, eu selecionei seis características gerais do sistema filosófico positivista para comentar. Uma delas eu diria que é a viga mestra e, ao mesmo tempo, uma 'marquise' desse sistema, sob a qual outros preceitos se abrigam. Trata-se do 'céu'; na verdade, uma sigla: C.E.U. - a busca pelo Certo, pelo Exato, pelo Útil. E isso simplesmente define uma enfática atitude anti-metafísica, está claro. E o que mais? Eu entendo que dos outro cinco preceitos, três são claramente complicadores; quer dizer, estorvam qualquer pretensão de apologia do sistema, contemporaneamente. Os restantes dois, embora pareçam senões, eu sustento que não ... que, ao contrário, mantêm-se como herança ainda interessante de cultivar. Dentre os três complicadores, dois eu diria que são de ordem lógica, enquanto o terceiro é um complicador de natureza operacional. Este último é o preceito 'experiência da verificação'. Afinal, se continuarmos advogando o preceito do verificacionismo, somos obrigados e remover do foco da ciência um sem-número de fenômenos cuja consideração sabemos ser relevante. Já os complicadores de ordem lógica são: primeiro, a 'independência observador-fenômeno' (que, uma vez mantido, nos embaraça a constatação de que, tão logo demarcamos o objeto de inquérito - que é, pois, capturado teoricamente - ele próprio objeto já conterá muito de nós, que somos o sujeito seu apreendedor); e, segundo, a 'imunização da ciência' (porque quando o positivismo advém, instaura-se uma teoria da ciência e, por efeito disso, a tradição filosófica de uma teoria do conhecimento é abandonada; em outras palavras, perde relevância o exercício de meditação sobre o que seria o conhecimento em si, ou para o quê exatamente ele serviria; enfim, deter-se nisso seria coisa vã). A questão é que o positivismo entroniza a ciência e, conseqüentemente, ele a protege de reflexões críticas. A Ciência, com 'c' maiúsculo, coisa superior, encontra-se, desde então, blindada. E quais seriam os preceitos aparentemente viciosos? Primeiramente, o clássico preceito da 'objetividade'. Diz-se que não é possível ser objetivo à moda positivista, mas talvez incorramos em erro ao interpretar objetividade de um modo que os próprios positivistas não teriam feito. Eu faria uma pergunta a vocês - que são, eu posso supor, pesquisadores em pleno exercício (executando seus respectivos projetos de pesquisa) -: em geral, segundo o rito protocolar, para efeito de submissão aos processos de seleção, temos de redigir um anteprojeto de pesquisa, então não é verdade que todos vocês, nessa tarefa aflitiva de justificação de relevância, procuraram ser, o mais possível, claros e precisos? (Quando falo em clareza e precisão, me refiro a não cair nas armadilhas da dubiedade, das contradições dicotômicas e tal). Então, não é verdade que procederam (ou procuraram proceder) dessa maneira ... 'objetiva'? E pergunto mais: será que o projeto que vocês submeteram à banca examinadora tinha cabimento? 'Ter cabimento', sabem o que significa? Recorram ao Houaiss, por exemplo, e verão: algo 'tem cabimento' quando é plausível - 'plausível' que, etimologicamente, significa algo merecedor de aplauso. Não por acaso, nos encerramentos de defesas de Dissertação e Tese, costumamos aplaudir o candidato a Mestre ou Doutor, posto que nos parecerá evidente que tudo aquilo que esteve sustentando acabou sendo admitido, pela banca, como plausível. Bem, voltando: vocês aqui não tentaram ser (ou parecer ser) plausíveis nas argumentações de seus respectivos anteprojetos de pesquisa? (Digam todos: 'SIM!!') [risos] Pois muito bem, os parabenizo por isso, porque vocês simplesmente praticaram uma herança positivista. Meus parabéns! [risos] E, finalmente, tem a coisa do 'monismo metodológico'. Hoje, nós das ciências sociais, somos naturalmente levados a defender uma alforria de nosso modo de apreender os objetos de investigação, no plano da linguagem e das técnicas. Bem, se formos pensar em método pelo que dizem, correntemente, os compêndios de metodologia científica, a que conclusão chegaríamos? Cada um de nós tem um jeito de assimilar a questão, mas de uma maneira geral todos reconhecemos que método pressupõe uma estrutura dúplice: lingüística (um sistema de conceitos ... que, portanto, tenderá a nos encaminhar na direção de certa família de teorias) e operacional (um conjunto de instrumentos técnicos ... a fim de peneirar dados úteis e processa-los). Ora, nesses termos, realmente fica difícil validar a existência de um mesmo método para toda e qualquer jurisdição disciplinar. Fica inviável o monismo, simplesmente. Mas aí é que está ... pensem ... e se tentássemos firmar um consenso aqui entre nós, neste auditório ... estabelecendo que o 'Método Científico' (com 'm' e 'c' maiúsculos) diz respeito a um estatuto de racionalidade? Mínimo, que seja! Isto é, um acordo tácito para que se pratique ciência com aquela diligência suficiente para não cairmos, por exemplo, na armadilha dos julgamentos morais. Essa espécie de 'assepsia' sim, penso que segue sendo muitíssimo valiosa! Um estatuto pelo qual firmemos um pacto em prol do extremo cuidado com a linguagem; com um bom concerto entre os conceitos que compõem nossas assertivas. Bom, então convenhamos ... desde que todos nós cientistas procuremos esse rigor no plano da linguagem, estará sim manifesta a validade do preceito monístico.
Mas agora vamos tentar verificar até que ponto as 'inoculações' positivistas se deram mesmo na história do pensamento geográfico. Porque a literatura corrente (reduzida e reducionista que é aquela de que dispomos em língua portuguesa) nos vende a idéia de que, enquanto o período 'moderno', que se estende entre o final do século dezenove e a década dos cinqüenta, guarda uma estreita sintonia com o positivismo clássico, comteano, a Nova Geografia a mantém com o positivismo lógico, círculo-vienense. Será mesmo? Vejamos a coisa pelo que chamo de 'representatividade' da inoculação. Havia o parâmetro empiricista na Geografia Clássica? Totalmente! (Vemos isso na prática amplamente advogada das expedições geográficas, nos trabalhos de campo; enfim, no 'terrain'). Inoculação positiva aqui. Havia a recomendação de que o 'bom exemplo' metodológico das ciências naturais fosse replicado no argumento do geógrafo? Como não?! (Vemos isso no explícito recurso de alemães e franceses aos critérios explanatórios validados em Geologia e em Botânica - talvez, melhor visualizados pela transposição do exercício taxonômico). Temos aqui, então, outra inoculação positiva. Mais uma coisa ... (esqueci de mencionar antes): segundo o positivismo, o real é um conjunto de dados fundamental e originalmente isolados; portanto, se uma síntese é possível, isso ficará a cargo de um estratagema intelectual. Bem, eu arrisco afirmar que isso tem algo a ver com o teor das monografias regionais e seu esquadrinhamento minucioso da frente natural, de um lado, e da frente cultural, de outro. (Ou seja, o isolamento era algo que, no final das contas, não se conseguia dissolver - por mais que se tivesse a presunção de enxergar as frentes 'combinadas', na realidade regional). Ok, então teríamos três inoculações suficientemente prováveis. Entretanto, não seria honesto encerrarmos a averiguação por aqui. Porque posso, por outro lado, sugerir pelo menos duas 'inoculações negativas'! Primeiramente, em virtude de que, conforme estatuto positivista, mitificando a noção de 'lei', pretendia-se que a partir de um certo número delas fosse possível engendrar teorias, e delas (definidoras que são de relações entre fenômenos) chegar a fazer predições. Havia isso no pensamento geográfico? Evidente que não! Muito embora, é claro, estivesse contida nos discursos a máxima de que, na articulação dos casos regionais, se identificariam certos princípios de regramento. Mas tudo ficou no mero provérbio. Agora, há uma outra inoculação negativa até mais evidente que essa - e que, neste sentido, serviria a desconstruir ainda mais o suposto caráter positivista da Geografia Clássica. Estou me referindo ao 'céu', porque me parece que os pioneiros não o desejavam tanto assim. Afinal, quem se atreveria a afirmar que aquele descritivismo todo - rebuscado e literário que era -, tinha um fito eminentemente prático, preciso e, acima de tudo, útil? Lendo textos clássicos, é difícil evitar a impressão de que aqueles quadros pictóricos tinham mesmo era uma grande motivação diletante. Agora, o intrigante é que, possivelmente, se formos comparar as pretensas inoculações nas geografias clássica e teorética (isso, aliás, inspira uma pesquisa historiográfico-epistemológica muitíssimo instigante ... para o meu gosto, pelo menos) ... se formos compara-las, meu palpite é que, para o caso da New Geography, encontraríamos um quê positivista mais complicado de disfarçar. Três razões: temos enfaticamente o acatamento do preceito monístico (com a tese fisicalista pairando sobre o uso que os novos geógrafos fizeram dos modelos epidemiológicos, gravitacionais e termodinâmicos); temos o apriorismo inerente ao que, no Círculo de Viena, foi chamado 'enunciado protocolar' (com os próprios modelos funcionando como protótipos a partir dos quais as séries de hipóteses podiam ser formuladas e testadas); e temos também, é lógico, o mais evidente indício, que é a afinação com a linguagem matemática - sintoma de que estavam persuadidos a oficializar uma espécie de 'razão nomológica', digamos assim (dado o acordo ordinário entre a linguagem lógico-simbólica e os princípios de causalidade nas ciências naturais). Bem, acho que já me estendi demais; só queria encerrar com uma breve questão, que deixei para o final. Todos sabem que se atribui ao pensamento positivista o estatuto da neutralidade, do value-free. Não está incorreto, é claro. Mas será que não exageramos também seu significado, extrapolando o que, genuinamente, se quis dizer com ele? Olha, eu estou de acordo com a idéia de que seja insustentável; porém, entendo que a impossibilidade do cientista ser neutro tem mais a ver, essencialmente, com o fato de que, quando arquiteta seu objeto de investigação, já está deixando transparecer um alinhamento; portanto, uma dada propensão interpretativa. Agora, o que me parece é que, apegando-nos ao estatuto opositor - o da 'não-neutralidade' -, temos tido a desculpa para exercitar, perigosamente, interpretações levianas demais ... e justo aquelas que inclinam muitos de nós a um julgamento moral. Vou dar um exemplo, que vai talvez parecer caricato ... (mas as caricaturas, às vezes, podem ajudar a atingir em cheio o que se queira dizer). Imaginem que vou estudar o que alguns chamam de 'apropriação 'perversa' do território pelo capital' [risos] ... vou examinar o 'fenômeno', como se manifesta em dada localidade, digamos. Bem, me digam, vocês executariam a pesquisa (como eu tentaria fazê-lo) de 'espírito aberto'? Isto é, iriam a campo dispostos a quebrar a cara? Ou seja, podendo não encontrar qualquer indício de 'perversidade'? Ou vocês iriam atrás de todo e qualquer indício, e assim que encontrassem esse todo e qualquer indício, carregariam nas tintas, exaltariam os menores sinais, regozijando-se por, no final das contas, terem conseguido 'provar' a hipótese? Enfim, vocês jogariam limpo ou jogariam sujo? Eis minha indagação. Porque é muito cômodo (a par de desonesto) já ter a conclusão à vista, apenas se preocupando em fisgar nos eventos um pretexto para comprimir a realidade no modelo. Termino, então, minha fala com a recomendação de que vocês procurem pensar bem que espécie de pesquisa (e de ciência) vocês têm feito ... e que tipo de legado vocês têm ajudado a preservar. Fico por aqui. Muito grato pela audiência."

LITERATURA CONSULTADA
ADORNO, T. W. Introducción. In: ADORNO, T. W. et al. La disputa del positivismo en la sociología alemana. Barcelona: Grijalbo, 1973. p. 11-80.
_____. Sobre la lógica de las ciencias sociales. In: ADORNO, T. W. et al. La disputa del positivismo en la sociología alemana. Barcelona: Grijalbo, 1973. p. 121-138.
FOTHERINGHAM, A. S. Quantification, evidence and positivism. In: AITKEN, S.; VALENTINE, G. (Ed.). Approaches to human geography. London: Sage, 2006. p. 237-250.
KITCHIN, R. Positivistic geographies and spatial science. In: AITKEN, S.; VALENTINE, G. (Ed.). Approaches to human geography. London: Sage, 2006. p. 20-29.
LEFEBVRE, H. Méthodologie des sciences. Paris: Anthropos, 2002. 225p.
POPPER, K. R. La lógica de las ciencias sociales. In: ADORNO, T. W. et al. La disputa del positivismo en la sociología alemana. Barcelona: Grijalbo, 1973. p. 101-119.
ROSA, L. P. Tecnociências e humanidades: novos paradigmas, velhas questões. São Paulo: Paz e Terra, 2006. 498p. v. II: A ruptura do determinismo, incerteza e pós-modernismo.

domingo, 18 de outubro de 2009

GEA/UnB: História do Pensamento Geográfico (Semeaduras, Longevidades)

Se encontra em fase de construção um "blog-painel", cujo conteúdo fará ver o atual engajamento dos alunos do curso de Geografia da UnB (especialmente das disciplinas de Metodologia da Geografia e Epistemologia Geográfica) na identificação e comentário de linguagens e pesquisas ... sejam correntes; sejam iniciativas-marco.
Melhor descrevendo, trata-se de um veículo de extensão especialmente forjado para que o quadro discente exercite - numa empresa simultânea - tanto a análise de tipologias argumentativas (por exemplo, aquelas sacadas a partir da leitura de documentos clássicos, seus potenciais ilustradores), quanto sua "diagnose" em atuais ou relativamente recentes trabalhos científicos. A princípio, prioriza-se essa localização em bancos de dados vinculados a grupos de pesquisa internacionais ... e exatamente num propósito de incentivar maior contato dos alunos com a produção científica que esteja emergindo em diversos continentes (o que, nos parece, favorecerá, a médio/longo prazo, inclusive interpretações a respeito do "grau de propagação", digamos assim, de certos viéses lingüísticos e/ou técnicos introduzidos em épocas pretéritas).
Apesar de que geografias jamais se fariam aisladas ... por que não tentar perceber possíveis endemias?
A direção: http://mirantedageografia.blogspot.com

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

[PB38] Imposturas geográficas ou como ser um crítico naïf, em três lições

VIII Encontro Nacional da ANPEGE
["Espaço e Tempo: Complexidade e Desafios do Pensar e do Fazer Geográfico", 28 Set. - 02 Out. 2009, UFPR, Anais, 12f. - primeiro autor: Mariana A. LAMEGO, CEFETEQ/UFRJ]
BASEADOS NUMA INTERESSANTE PUBLICAÇÃO DE M. E. HURST (1973), NA QUAL SÃO EXPRESSOS EM TOM SARCÁSTICO/CARICATO OS PERSONAGENS INSIDERS DO QUE ENTENDIA SER O STATUS QUO GEOGRÁFICO, OS AUTORES REAVALIAM A JUSTEZA DA TIPOLOGIA. SUGERINDO QUE AS CARICATURAS GUARDAM AINDA BOA MARGEM DE ADEQUAÇÃO À CONTEMPORANEIDADE (BRASILEIRA, INCLUSIVE), PROPÕEM QUE - COM ALGUNS RETOQUES - OS MESMOS TIPOS PODERIAM TAMBÉM ENQUADRAR AQUELES QUE, EM CIRCUNSTÂNCIAS PRETÉRITAS, INSULTARAM O ESTABLISHMENT, E HOJE O RECRIAM A SEU FEITIO.
["Hoje um tanto remota, a versão que opta pelo timbre da conspiração só conserva adeptos nos círculos demasiado impulsivos e panfletários - onde, em geral, sobram brados e dedos em riste, e ressentem-se de consistência e plausibilidade. Em vez disso, pensamos que a idéia de establishment (se ela se mantém de fato atual) teria muito mais nexo se posta em reparo a direção para a qual converge a maioria dos argumentos em Geografia Humana, de uns vinte e cinco anos para cá. Porque, arriscamos dizer, a rede de dioceses contemporânea contaria com um episcopado que, se ainda não soube organizar-se inteligentemente para também capitanear o âmbito aplicado da disciplina, pelo menos tem sabido cativar a atenção de uma audiência continuamente expressiva, junto ao campo da homilia teórica. (Algo que se testemunha sem esforço nos encontros científicos, quando um verdadeiro tropel de paroquianos aglomera-se em torno de priores ou seus vigários - tanto que somos remetidos à imagem de uma celebração monástica)." (p. 9)]
SOLICITE UMA CÓPIA! (dantereis@unb.br)

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

[PB37] Conversas sobre o pensamento (3): Anastasios Brenner e o gene francês na epistemologia das ciências

Geografia (Rio Claro/SP)
[volume 34, número 2, p. 371-384, Mai./Ago. 2009]
ENTREVISTA COM UM IMPORTANTE FILÓSOFO FRANCÊS, DEDICADO AOS TEMAS (CORRELATOS) DA TEORIA DO CONHECIMENTO E DA HISTÓRIA DAS IDÉIAS CIENTÍFICAS. SEUS APONTAMENTOS AQUI DIZEM RESPEITO ÀS MÚTUAS INFLUÊNCIAS ENTRE FILOSOFIA E CIÊNCIA, ÀS CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA DE PENSAMENTO POSITIVISTA (CLÁSSICO E LÓGICO) E AO PAPEL PRIMACIAL DA TRADIÇÃO FRANCESA NAS REFLEXÕES ACERCA DA HISTORICIDADE DAQUELAS IDÉIAS.
["Porque, evidentemente, se afirmarmos que os métodos usados em Física são os mesmos válidos para a Sociologia, estaremos diante de uma ciência da sociedade muito empobrecida. Reducionista. Por outro lado, se observarmos a proposta de Neurath, nos damos conta de que não foi exatamente essa a idéia que ela continha. Na verdade, ele dizia que as ciências não são unitárias 'agora'! E que, sendo assim, nós devemos procurar ... digamos, 'coordena-las'. Devemos buscar a legítima cooperação entre especialistas." (BRENNER apud REIS JÚNIOR, p. 381)]
LINK: http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/ageteo/article/view/3156

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

[PB36] Valores e circunstâncias do pensamento geográfico brasileiro: a geografia teorética transitiva de Antonio Christofoletti

Geografia (Rio Claro/SP)
[volume 34, número 1, p. 5-32, Jan./Abr. 2009]
DIVULGAÇÃO, SOB A FORMA DE ARTIGO, DA MATÉRIA-FOCO DE NOSSA TESE DE DOUTORADO. TRATA-SE, PORTANTO, DA SINOPSE DOS ASPECTOS COMPREENDIDOS PELA PESQUISA REALIZADA AO LONDO DO PERÍODO 2003/2007: A PRODUÇÃO INTELECTUAL DE ANTONIO CHRISTOFOLETTI (1936-1999) - NUMA ESPÉCIE DE ILUSTRAÇÃO, VIA AUTOR, DA HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO BRASILEIRO E, NELA, A OCORRÊNCIA DA GEOGRAFIA TEORÉTICA E QUANTITATIVA; E AS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DO FATO DESTE AUTOR TER-SE MANTIDO, OBSTINADAMENTE, ALINHADO COM A CAUSA DOS MODELOS SISTÊMICO-NATURALISTAS.
["... o que chamamos 'Outra Nova Geografia' em Christofoletti tem a ver com o fato do autor deduzir que a percepção da efetiva complexidade dos eventos estava exigindo respostas teóricas progressivamente sofisticadas. O geógrafo intuiu que essa contínua busca provaria a longevidade dos efeitos - 'teoréticos' e quantitativistas - da Nova Geografia (daí, inclusive, nossa opção titular pelo adjetivo 'transitiva' ... e no específico sentido de algo que se transmite no tempo, se transformando). Bem, e sua intuição não teria vindo senão precisamente daquele 'manancial'. A literatura lhe informava dos reflorescimentos." (p. 26-27)]
LINK#1: http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/ageteo/article/view/3154
LINK#2: http://repositorio.unb.br/handle/10482/6706

quinta-feira, 16 de julho de 2009

[PB35] "Mirar del sur". Proposição temática e metodológica para uma "geopoética do frio"

XII Encuentro de Geógrafos de América Latina
["Caminando en una América Latina en Transformación", 03-07 Abr. 2009, Montevideo, Uruguay, Anais, 12f. - coautoria: Adão J. Vital da COSTA, UFPel/RS]
ENSAIO SOBRE A POSSIBILIDADE DE CONCERTAR, NUM MESMO ARGUMENTO CIENTÍFICO, ALÉM DOS ASPECTOS MAIS TRADICIONAIS DO DISCURSO GEOGRÁFICO (A ORDEM FÍSICO-AMBIENTAL E A ORDEM POLÍTICO-ECONÔMICA) TAMBÉM A PERSPECTIVA DO IMAGINÁRIO E DO EMOCIONAL. O TEXTO DESENVOLVE A TESE TENDO POR ILUSTRAÇÃO A IMAGEM ESTÉTICA DO "GAUCHO" E SUA PAISAGEM MERIDIONAL, E SUSTENTA QUE A RESOLUÇÃO METODOLÓGICA PODERIA SE DAR MEDIANTE O EMPREGO DE MODELO SISTÊMICO MAIS VERSÁTIL.
["O fato é que a paisagem meridional, em termos puramente humanísticos, é o que subministra os rituais campinos de trabalho e recolhimento (la esquila, la yerra, las jineteadas, la payada ... el mate con charla). Logo, o tradicionalismo decorrente toma emprestado dos quadros natural e organizacional seu significado; sem se subordinar forçosamente a eles. E mesmo os clichês de humor e temperamento – dos quais, por tenderem a conferir veracidade a supostos estados psicofisiológicos, o olhar científico, tanto quanto possível, precisa desviar-se – transportarão espontaneamente o estigma de, afinal de contas, falarem sobre comportamentos e ações que se dão desde uma espacialidade."]
LINK: http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal12/Teoriaymetodo/Metodologicos/13.pdf

terça-feira, 16 de junho de 2009

Trajetórias que se perdem ... e que se reencontram

Semana Acadêmica do Curso de Geografia (IH, UnB) - 15 a 19 Jun. 2009
"Da Realidade ao Pensamento e do Pensamento à Realidade. Produção e Apropriação do Conhecimento Geográfico"
Mesa1: Paradigmas e concepções teórico-metodológicas na produção científica da Geografia contemporânea (dia 15, 09h)
"Tendo a evolução do pensamento geográfico por objeto, um seu caso de estudo pertinente e instigante é o exercício comparativo entre Brasil e França. Sabe-se que a Geografia brasileira, a exemplo de muitas, se desenvolve, germinal e defasadamente, nos moldes clássicos da matriz européia. Contudo, isso não significa que as leituras a propósito de outras modalidades de argumento tenham se dado atada ou similarmente. Bastante ao contrário, numa atenção votada à literatura contextual de uma e outra "escola", pode-se perceber, por exemplo, o quanto uma "Geografia Teorética e Quantitativa" se diferenciou (em termos de causas e desdobramentos, pelo menos) de uma "Géographie Théorique et Quantitative".
Desde nosso pós-doutoramento, vimos estado interessados em ensaiar essa especial comparação, sendo que - num plano ainda mais específico - fazendo-a observando o detalhe das (particulares?) assimilações do argumento sistêmico. E deparados com literatura bastante elucidativa, uma perspectiva curiosa - reveladora, aliás, do quanto os testemunhos narrativos de quem viveu episódios, pode realçar aspectos ainda subvalorizados pelas historiografias - se nota: a impressão pessoal de que teria havido subemprego (e subvalorização) de modelos teóricos
(e ocasiões) por parte da comunidade científica.
No que diz respeito à 'GTQ' francesa, verifica-se depoimentos neste sentido. Não se discute, há evidentes heranças atuais do marco teorético-quantitativista: respectivamente, a permanência dos debates de cunho epistemológico (com qual ou quais espécies de linguagem o geógrafo pode/deve explanar sobre seu objeto de interesse?) e a constante atualização da ferramentaria técnica (hoje, certamente mais refinada que os instrumental posto à disposição entre os anos setenta e oitenta). Porém, certos geógrafos são levados a refletir: a recorrência dos debates conceituais, organizados nas salas de discussão temática dos congressos e simpósios, não pode bem ilustrar uma já exacerbada comprovação de impossibilidade de consenso?
Georges Bertrand, a começar do final dos anos sessenta, presenteou o ocidente com uma versão algo antropocêntrica das paisagens 'naturais'. Decerto que seu geossistema meso ecológico, meso econômico-cultural, adquiriu, desde lá, aperfeiçoamento no aspecto da integralidade dos componentes. A proposta mais contemporânea, da estrutura 'gtp' parece provar isso - isto é, o fato de que os geossistemas talvez se adequem mesmo melhor às dinâmicas do quadro físico ... por mais que, a bem dizer, na sua estrutura, ele conste como um 'g' interpretado pela ótica de quem nele próprio se instala (seja econômica ou culturalmente). Mas atento ao modo como evoluiu, em seu país, o argumento geográfico, Bertrand adverte-nos de um fato tão ou mais importante: a Geografia, deliberadamente, deixou que escapasse da alça de mira o 'natural'. Pouco importando o debate sobre se ainda restaria genuína natureza nos ambientes onde os grupos instalam seus modos de organização, a verdade é que - por despeito ou descuido - os geógrafos (auto-ufanistas) foram virando, aos poucos, as costas para o argumento ecológico. E isso, aparentemente, aponta a bem menor consagração dos trabalhos àquelas dinâmicas efetivas energizadoras dos processos chamados sócio-econômicos.
André Dauphiné, um importante publicitário dos modelos (neo)sistêmicos na Geografia francesa, compartilha a interpretação; tem visão análoga. Enquanto Bertrand se vale da metáfora da chave, precisa no encaixe em uma fechadura por muito tempo obstaculizante (mas que os geógrafos não se atreveram a inserir e girar), Dauphiné expressa o mesmo embaraço com a imagem do trem, que vez outra dá sinal de partir ... sem que os geógrafos nele decidam embarcar. Dauphiné se refere aos nossos desperdícios; ao fato de não prestarmos a devida atenção às ofertas teóricas que a história das ciências vai nos disponibilizando a todos: modelos eloqüentes (com certo teor naturalista, é verdade) para os processos complexos. Bertrand, por sua vez, refere-se ao sacrifício (irracional) da porção mais genuína da matéria geográfica de pesquisa: o próprio quadro natural!
Podemos, quem sabe, agregar ao mote geral constante de uma e outra impressão, também a seguinte: nós os cientistas sociais nos extasiamos, com freqüência, com o novo; o 'novo' em linguagem, por exemplo. E experimentamos muitos insights a partir dele; somos intuitivos, versáteis. Entretanto, parece nos faltar o hábito interessante do 'emprego insistente', digamos assim. Falta-nos, quero dizer, persistir nas linguagens circunstancialmente descobertas (ou tomadas de empréstimo, na maior parte dos casos)! Assim sendo, não parecemos ser pacientes e temperados emocionalmente o suficiente para explorar ao máximo as novas ferramentas; testá-las, afinal, em seu efetivo alcance de aplicação. E isso, de fato, requereria a perseverança que não temos demonstrado possuir.
Uma primeira ocasião por nós desdenhada remonta à época em que se difundiu entre as ciências sociais a teoria sistêmica chamada cibernética - quando (é verdade) o protótipo explicativo ainda tinha de se resignar com um contexto de elementos não-agentes. Mas, enfim, o ideário da sinergia era já uma advertência feliz ... vinda de trabalhos em Biologia e ciências da comunicação. A segunda ocasião é presente; sendo assim, em tese, ainda estaria em tempo de embarcarmos no trem da história. Trata-se das teorias que poderíamos nomear '(neo)sistêmicas', pois que a idéia intrínseca aos modelos é a de descrever processos de cuja manifestação surte a aparência de dinâmicas não-lineares. Logo, passa-se a poder desfrutar de estruturas teóricas bem mais adequadas ao cenário intrincado das organizações espacias: evolução por saltos e elementos de fato agentes.
Fácil de entender, a razão de ser das menores chances de perseverança neste específico caso (da modelagem sistêmica) reside na costumeira resistência, por parte dos geógrafos humanos (falo de seu contingente mais expressivo, em todo caso), em aceitar a aplicabilidade dessas estruturas conceituais que, por meras razões de iniciativa, transmitem a idéia de que seriam especialmente descritivas do mundo natural (desde as dinâmicas quânticas às performances macrobiológicas). Bem, como então desqualificar as fontes desta resistência tão persistente?
Ora, a primeira delas é muito evidente ... tanto quanto triste. A ignorância histórica que muitos daqueles exprimem - mesclada também a uma boa dose de pretensa auto-suficiência - é o que mais parece estorvar os impulsos liberais ao emprego de teorias de concepção alienígena. Uma vez que não tomam conhecimento dos adiantamentos e ganhos gradativos (no plano do método e da linguagem) possíveis de observar tão logo se seja vigilante à história das ciências - e aqui pensamos que a flexão nominal diga-nos muito! -, é previsível que conservem velhos preconceitos ... tais como o de achar que as disciplinas 'exatas' apenas lidam com o paradigma da causalidade determinista. E, se o contrário se desse, seria espontâneo notarem o quanto a Física, por exemplo, está hoje desprendida dos padrões mecanicistas estritos ... o quanto a 'severa' ciência natural (vista realmente, por muitos cientistas sociais, como sendo por demais austera e, por esse exato motivo, inapropriada à complexidade tamanha de seus particulares objetos de estudo - interpretação esta que, é óbvio, revela pura intimidação mal disfarçada) soube absorver nos modelos também o parâmetro do acaso e da chance.
E a segunda resistência, não menos vexatória, está encravada no cacoete emburrecedor de, ao menor sinal de aproximação simpática do argumento desenvolvido por físicos ou matemáticos, logo se disparar a reprimenda de que a atitude indica reducionismo.
Como as resistências se coordenam! Mesmo porque ao fazermos uma leitura atenta da história contemporânea das ciências é fácil perceber que esses cientistas são apenas aqueles que (não cultivando o vício da auto-sabotagem) primeiramente intuíram a formalização teórica da não-linearidade. E por esta via interpretativa, advém hipótese instigante - que deveria incitar o debate mais proveitoso: modernos modelos sistêmicos não são afinal uma representação de algo que se pode visualizar tanto em dinâmicas de sociedade quanto em de natureza? E que, portanto, enxergar redução de umas às outras é outro evitável tropeço?"

LITERATURA CONSULTADA
BERTRAND, G. Chassez le naturel... L'Espace Géographique, Paris, v. 18, n. 2, p. 102-105, avr./juin 1989.
DAUPHINÉ, A. Les théories de la complexité chez les géographes. Paris: Anthropos, 2003. 248p.
PUMAIN, D. Une approche de la complexité en géographie. Géocarrefour, v. 78, n. 1, p. 25-31, 2003.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

[PB34] Conversas sobre o pensamento (2): André Dauphiné, o bom legado naturalista na geografia e um trem que já deu sinal de partir

Geografia (Rio Claro/SP)
[volume 33, número 3, p. 569-579, Set./Dez. 2008]
ENTREVISTA COM UM DOS PERSONAGENS GRANDES RESPONSÁVEIS PELA DIFUSÃO, NA GEOGRAFIA FRANCESA, DAS TEORIAS DO CAOS E DA FRACTALIDADE. SUA NARRATIVA É UM MANIFESTO REPROVADOR DOS PRECONCEITOS EPISTEMOLÓGICOS AINDA PRESENTES NOS CÍRCULOS ACADÊMICOS - O QUE TEM, POR DÉCADAS, OBSTACULIZADO UM CONSENSO EM TORNO DE MODELOS TEÓRICOS MAIS EFICIENTES.
["Opor o quantitativo ao qualitativo é mau. São os dois pontos-extremos do mesmo continuum; todavia, não se opõem. Isso é difícil de fazer entender. Certos geógrafos não alcançam a idéia. Uma das querelas contra a Geografia dita quantitativa é exatamente isso, porque foi escolhido um termo ruim. Teria sido melhor que tivéssemos nos apresentado como geógrafos teoréticos, ou geógrafos-matemáticos. Ou ainda, se quiséssemos ser cruéis com os críticos, 'geógrafos-cientistas'." (DAUPHINÉ apud REIS JÚNIOR, p. 573)]
LINK: http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/ageteo/article/view/3149

domingo, 19 de abril de 2009

[PB33] História do pensamento geográfico: quais normas a conduzem? (os modelos de evolução)

XI Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia
["Sociedade Brasileira de História da Ciência, 25 Anos", 26-29 Out. 2008, UFF, Anais]
TEXTO SUSTENTANDO A HIPÓTESE DE QUE POR CONSTITUÍREM UM CAMPO DISCIPLINAR QUE COMPREENDE CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS - E SOBRETUDO NO QUE DIZ RESPEITO À DINÂMICA EVOLUTIVA (COEXISTÊNCIA PARADIGMÁTICA, DISTENSÕES GRADATIVAS) -, AS IDÉIAS GEOGRÁFICAS MERECERIAM A CONCEPÇÃO DE UM ESPECIAL PROTÓTIPO DE PROGRESSO EPISTEMOLÓGICO.
["Pensamos haver necessidade de modelar um mecanismo mais inclusivo para ciências como a Geografia. Mecanismo que melhor esboce o tipo de transmutação que, não obstante a evidência da mudança, não suprime a possível persistência do ideário conflitante. Persista ele arrefecido ('distensões') ou íntegro ('coexistências')."]
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quinta-feira, 2 de abril de 2009

[PB32] História do pensamento geográfico: de que preceitos ele é feito? (as fundações filosóficas)

XIII Encontro Nacional de Filosofia
[06-10 Out. 2008, UNISINOS, Anais, p. 171-172]
HAVERIA INDÍCIOS DE QUE CERTOS PRECEITOS CIENTÍFICOS VINCULÁVEIS A UMA EMBLEMÁTIA ESCOLA DE PENSAMENTO DA GEOGRAFIA (A TEORÉTICO-QUANTITATIVISTA) REPRESENTARIAM UM REBATIMENTO - NO ESPECTRO EPISTEMOLÓGICO DESSA DISCIPLINA - DAS PREMISSAS DE UM TAMBÉM EMBLEMÁTICO SISTEMA DE PENSAMENTO FILOSÓFICO (O POSITIVISMO LÓGICO). APESAR DE ADMITIR A HIPÓTESE DA INTROJEÇÃO, ESTE PEQUENO TEXTO APONTA O RISCO QUE SE CORRE DE, UMA VEZ ADMITINDO A SINTONIA ENTRE FILOSOFIA E CIÊNCIA, ADJETIVAR APRESSADAMENTE A OBRA DE AUTORES EVENTUAIS BONS REPRESENTANTES DA ESCOLA.
["... tão logo a bibliografia adequada - compêndios e dicionários de Filosofia - é consultada (a etapa preliminar), um entrave interpretativo tende a advir ulteriormente; a saber: a amplitude qualitativa dos sistemas, ou, o tanto de atributos que os autores das referências nos dizem serem atribuíveis às doutrinas (enumerando-os) evoca o enigma de um critério lógico através do qual estarmos autorizados a coligar discurso geográfico a uma bem discernida matriz filosófica. Talvez possamos chamar esse problema de 'representatividade qualitativa'; e sugerir que ele consiste, em última análise, no embaraço analítico de (não raro) encontrarmos compatibilidade e incompatibilidade simultâneas entre discurso e matriz, ..." (p. 171)]
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sábado, 7 de fevereiro de 2009

[PB31] História do pensamento geográfico: como lê-lo para interpreta-la? (as rotinas técnicas)

XV Encontro Nacional de Geógrafos
["O Espaço não Pára. Por uma AGB em Movimento", 20-26 Jul. 2008, USP, Anais]
*publicado também, em versão completa, em Anais do I Simpósio de Pós-Graduação em Geografia do Estado de São Paulo, 2008
NARRATIVA DE UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL COM O "PASSO A PASSO METODOLÓGICO" COMUM ÀS ANÁLISES DE DISCURSO. DE VEZ QUE PESQUISAS DESSA NATUREZA INTENTAM, EM GERAL, COMPOR A HISTORIOGRAFIA DE UMA IDÉIA, CERTOS CUIDADOS E PONDERAÇÕES PRECISAM SE DAR, A FIM DE QUE O OBJETO PRECISAMENTE INVESTIGADO (UMA ESCOLA DE PENSAMENTO, UM AUTOR EM ESPECIAL) PROVE SER DE FATO UMA ILUSTRAÇÃO SATISFATÓRIA DA IDÉIA SOB ANÁLISE.
["Parece evidente que o perigo intrínseco a essa opção metodológica, de uma interpretação indireta 'autor predica escola' se 'discurso veicula filosofia', demonstra-se pela (não exatamente fácil) tarefa de revelar a sintonia das linguagens precavendo-se de emboscadas. Uma delas, a supervalorização de passagens/trechos que, apesar de altamente sintomáticos, podem não se repetir ou ecoar substantivamente noutras publicações e datas. Verificar uma boa replicação quantitativa no tempo é importante se as análises se pretendem conclusivas. Logo, se elas se apressam a sê-lo, poderão sustentar a inoculação lingüística (preceito->discurso) à base de evidências não muito robustas - já que haverá o risco dos autores não nos deixarem identificar os mesmos fortes indícios em outros de seus textos."]
LINK: http://www2.rc.unesp.br/eventos/igce/simpgeo/lista_trabalhos.php